O STF e o julgamento de Bolsonaro
Um marco para a democracia e a soberania constitucional
João Sena
9/15/20252 min read
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) deve ser compreendido como um momento de afirmação institucional e de maturidade democrática. Ao enfrentar um caso de tamanha repercussão política, a Corte reafirmou o princípio de que nenhum líder (ou ex-líder) está acima da Constituição e de que a soberania nacional se manifesta justamente pela força normativa da lei fundante do país, livre de ataques de interesses externos e de pressões políticas internas.
A sessão foi marcada por votos de grande densidade e simbologia. O voto da ministra Cármen Lúcia destacou-se pelo estilo direto, ético e literário. A ministra enfatizou que a democracia não se defende apenas com palavras, mas com decisões concretas que reafirmam o compromisso do Judiciário com os direitos fundamentais e com a integridade do Estado de Direito. Na mesma linha, o ministro Alexandre de Moraes reforçou a necessidade de respostas firmes às tentativas de enfraquecimento das instituições. Sua argumentação pontuou que a liberdade política não autoriza ataques à ordem constitucional e que a proteção da democracia exige vigilância constante.
O voto do ministro Luiz Fux, marcado por evidente contradição, defendeu uma leitura mais garantista do processo jurídico, em dissonância com sua trajetória de postura rigorosa e punitivista. A súbita mudança de posição soou menos como evolução de pensamento e mais como concessão às circunstâncias políticas do julgamento. Essa incongruência reavivou dúvidas sobre a consistência de princípios do ministro, que já foi envolto em polêmicas durante sua carreira jurídica, sugerindo que suas convicções podem ser relativizadas quando o peso da conjuntura e das opiniões políticas se impõe.
O desfecho do julgamento, conduzido pelo presidente da Corte Luís Roberto Barroso, reforçou o compromisso de união e solidez do Tribunal. Sua manifestação final assumiu um tom político-institucional de defesa da democracia, e a presença simbólica do ministro Gilmar Mendes consolidou essa imagem de coesão, evidenciando um tribunal plural em opiniões, mas unido em propósito.
Comparado a outras democracias consolidadas, o caso brasileiro se mostra parte de um movimento mais amplo. Na América Latina, a experiência argentina após a ditadura militar é paradigmática para o Brasil. As condenações históricas dos generais responsáveis por graves violações de direitos humanos demonstraram que nem mesmo os mais altos detentores de poder estão acima do Estado de Direito. O julgamento de Jair Bolsonaro, portanto, soma-se a esse repertório internacional como exemplo de como cortes constitucionais podem, e devem, atuar diante de líderes que desafiam a integridade do sistema democrático.
O ensinamento que resta é claro: democracias sólidas dependem de instituições capazes de se autodefender. O STF, ao enfrentar esse desafio, envia uma mensagem não apenas ao Brasil, mas ao mundo, mostrando que a democracia não se sustenta sem coragem institucional. Países como Alemanha e Estados Unidos podem encontrar nesse episódio brasileiro um exemplo renovado da importância de cortes constitucionais ativas como garantidoras de que a política se desenvolva dentro dos limites do Estado Democrático Direito.
Foto: Sergio Lima/AFP