Quando a Comunidade Internacional Escolhe Esquecer: O conflito no Saara Ocidental
INTERNACIONAL
Sophia Lima Costa
5/21/20253 min read
Em meio a fóruns internacionais e discursos sobre democracia, persiste uma contradição que muitos preferem ignorar: no Magreb africano, o Saara Ocidental segue ocupado militarmente há quase cinco décadas. Sua população vive sob repressão ou exilada em campos de refugiados, e seus gritos por liberdade são abafados por interesses geopolíticos, econômicos e pela conveniente amnésia da comunidade internacional — que jamais cumpriu sua promessa de autodeterminação. Reconhecido pela ONU como “território não autônomo”, permanece fora da agenda das grandes potências. A ocupação marroquina e a omissão internacional transformaram essa luta em uma das mais longas e negligenciadas do século XXI. “Somos a última colônia da África que ainda está em guerra contra o invasor”, afirma Ahamed Mulay Ali Hamadi, representante da Frente Polisário no Brasil.
A luta por libertação começou sob domínio espanhol, com a criação da Frente Polisário em 1973, movimento nacionalista que reúne o braço político e militar da resistência saaraui. Em 1976, a Frente proclamou a República Árabe Saaraui Democrática (RASD), hoje reconhecida por mais de 80 países e membro pleno da União Africana. No entanto, o processo de descolonização foi interrompido antes de se completar. Pressionada pela “Marcha Verde”, a Espanha cedeu o território ao Marrocos e à Mauritânia sem realizar o referendo que havia sido prometido, por meio de um acordo que não possui validade jurídica, de acordo com o Tribunal Internacional de Justiça.
Milhares de saarauis vivem até hoje em campos de refugiados na Argélia, em condições precárias. Nos territórios ocupados, enfrentam repressão sistemática, prisões arbitrárias e desaparecimentos forçados. Criada em 1991, a Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (MINURSO) jamais cumpriu seu objetivo central: organizar o referendo. Não só isso, como é uma das poucas missões da ONU sem mandato para monitorar violações de direitos humanos.
A proposta marroquina apresentada à ONU em 2007 — o “plano de autonomia” — oferece uma falsa solução. Sob ela, o território permaneceria sob controle de Rabat, sem garantir aos saarauis a opção pela independência. Trata-se de uma tentativa de legitimar a ocupação com apoio externo, sustentada pela cumplicidade internacional. A Espanha, por exemplo, ex-potência colonizadora, passou a apoiar o plano marroquino, enquanto a França bloqueia avanços no Conselho de Segurança, com interesses econômicos diretos na região. Já os EUA reconheceram a soberania marroquina em troca da normalização das relações entre Marrocos e Israel — revelando um claro cálculo geopolítico e estratégico. A defesa do plano marroquino ignora abertamente o direito internacional e privilegia interesses de potências em detrimento de um povo colonizado.
O caso saaraui revela como o colonialismo persiste sob novas formas. A maioria das nações do Sul Global ainda sofre com legados coloniais: dependência econômica, subalternidade política e violência estrutural. O Brasil, por exemplo, carrega marcas profundas de sua própria colonização. Ainda assim, não reconhece oficialmente a RASD, representando uma incoerência diplomática para um país que discursa em defesa do multilateralismo e da autodeterminação dos povos.
Reconhecer a República Saaraui não é só um gesto simbólico: é um compromisso com a justiça, a legalidade internacional e a descolonização. É alinhar-se aos países da África e América Latina que já reconhecem a causa saaraui e romper com a lógica seletiva que silencia determinadas lutas. O Saara Ocidental é símbolo da resistência contra o colonialismo moderno e da falência de um sistema internacional que privilegia interesses poderosos. A comunidade internacional, sobretudo os países do Sul Global, devem cobrar um referendo livre e justo. Enquanto isso, o povo saaraui resiste; nos lembrando que, em pleno século XXI, a África ainda tem uma colônia cuja liberdade continua sendo uma dívida histórica.